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sábado, 23 de outubro de 2010

Ainda a Ciranda de Poesia de Outubro

O dia do poeta
Giselle Lourenço

O dia do poeta já passou. Foi ele no dia 20 de outubro. Mas que falo eu? Tamanho absurdo! O dia do poeta é hoje, foi ontem, será amanhã
e daqui uns três dias, também será. O poeta tem seu dia todo dia.
O poeta não conta o tempo, não conta o espaço, recria a vida,
desata os nós dos sapatos, das gargantas, e desata nós.
Desata-nos. Nos desata, nos desvela, nos revela.
O poeta tem um rumo: é a linha do horizonte.
Quanto mais anda, mais ao longe vê chegar seu destino de partida,
mais de perto vê afastar sua chegada nessa vida. É assim, poetizando em despalavras, dez palavras, cinco ou duas. Quantas forem, só importa recriar o sentido e fazer sentir de novo. É a vida que não se esvai...

E no último dia 20, comemoramos o dia do Poeta
em nossa Ciranda de Poesia. Foi uma festa que só a poesia pode promover. Foi a recriação da vida e todos se embebedaram de poesia. O homenageado da noite foi o Poeta Moraes – o dono do “Panfletário”, que há mais de vinte anos é distribuído pelas ruas de São José dos Campos. Sua marca: a poesia ácida, ardida. Bem politizado, o professor de história contou “causos”
que transcendem a história. E no mais, é difícil explicar os propósitos de um poeta. Nas palavras do próprio Moraes, o poeta é aquele que trabalha
com o que há de mais requintado na linguagem que por isso,toca a vida com os cinco sentidos, num despertar incomum, pois a sociedade é anestesiada. E por isso, a importância do poeta: porque ele anuncia, denuncia, vê além. O poeta acorda o mundo. Os que gostam de submeter
não gostam muito dos poetas, porque o poeta é alguém que retira da existência o sentido dela própria e desfaz a redoma que envolve o mundo
no torpor da mediocridade.
Procurei um poema que pudesse expressar tudo isso em breves linhas,
mas são tantos! Resolvi deixar aqui o escrito do xará de nosso mediador Braga Barros – um poema de Manoel Barros. Acho que os Barros são Barros porque podem remodelar o tempo todo...
O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que era o mesmo que
Catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
(...)
Com o tempo aquele menino
Que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar
água na peneira.
No escrever o menino viu
Que era capaz de ser

Noviça, monge ou mendigo
Ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
Botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar uma tarde botando chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda
Você vai encher os
vazios com as suas
Peraltagens
E algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

Um comentário:

  1. Oi Braga! Que bacana você colocar o texto aqui sobre a nossa Ciranda! Só você mesmo... A Ciranda de Poesia alimenta nossas vidas! Obrigada por trabalhar com tanto afinco nesse projeto! Abraços,
    Giselle

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